sexta-feira, 24 de abril de 2009

9º Passo


(...)
Ele nos falou sobre um lugar conhecido como o
Portão do Inferno: “Nesse lugar existe um precipício que atrai
a morte. Várias pessoas já se suicidaram nesse abismo”.
“Como?”, perguntei. “Ninguém sabe ao certo. Dizem que as
pessoas caminham até a beira do precipício, como se estivessem
em transe, depois tiram os sapatos e saltam”. Magno falava com
os olhos fixos na fogueira (...)
“Vamos lá”, eu queria descobrir a resposta. “Quando?”,
Clara perguntou. “Agora”, César estava animado. “Agora”,
concordamos. Magno checou o relógio e disse com um sorriso
enigmático: “Acho que chegaremos lá por volta da meia-noite”.
“Um brinde ao Portão do Inferno!”, uma garrafa de vodka
misturada com Coca passou de boca em boca. Beijei o gargalo,
mas não bebi. Enganei o diabo, porque não queria beber em
solo sagrado. Caminhamos pela rodovia banhada pelo luar. As
rochas que ladeavam a estrada pareciam sombras macabras de
um caminho maldito.
“Vamos tirar os nossos sapatos na beira do precipício!”,
alguém propôs. Concordamos gargalhando, como se
estivéssemos possuídos por um inexplicável desejo de provar
a nossa coragem. Ou seria tolice? A garrafa continuava a dançar
entre os vultos que caminhavam naquela noite. Alguns
quilômetros depois, avistamos a placa que apontava para o
nosso destino: “Portão do Inferno a 200 metros”(...)
Sentamos em uma rocha e começamos a falar sobre coisas
estranhas. “Quando Clara e eu estávamos
procurando um lugar para dormir no Peru, alguém sugeriu que
ficássemos em uma casa abandonada no meio de um bosque.
Só que coisas estranhas aconteciam por lá. Nossas coisas
mudavam de lugar durante a noite. Outras surgiam e
desapareciam. Não ficamos ali para descobrir o que causava
aquilo”(...) César se lembrou de mais uma história: “Na época do
terrorismo na Colômbia, um jovem de família muito pobre foi
recrutado para executar um atentado. Ele ficava triste ao ver a
sua mãe se lamentando diante da velha geladeira quebrada. O
rapaz decidiu comprar uma nova para ela e por isso aceitou
colocar uma bomba em uma rua de Bogotá. A bomba explodiu,
e ele pegou o dinheiro do atentado. Voltava feliz para casa,
imaginando a felicidade da mãe. Quando chegou, sua família
toda estava chorando. Sua mãe havia morrido naquele dia,
vítima de uma bomba”.
Quando César terminou de contar essa história, ele se virou
para Clara, mas ela não estava mais ao seu lado. “Clara?”
Estávamos tão entretidos com a história que não havíamos
percebido que ela havia se levantado. “CLARA?” Nossos olhos
a buscaram na tênue luz do luar. “CLARA!” Ela estava na beira
do precipício, olhando fixamente para baixo. César correu e a
puxou. “Quê?”, Clara perguntou desnorteada, como se estivesse
saindo de um transe.
Naquela noite, ninguém tirou os sapatos na beira do
precipício. Demos as costas ao Portão do Inferno, sem sequer
ter ousado espiar por ele. Voltamos em silêncio, respeitando o
que não podíamos compreender.

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