sexta-feira, 24 de abril de 2009

13º Passo


(...)
Sentamos no bar do terminal. O famoso rosto do
revolucionário Che Guevara estava pendurado na parede
engordurada. “Os poderosos podem matar uma, duas ou até
três rosas, mas nunca poderão deter a primavera” (assinado)
Che Guevara. “Bonita essa frase do Guevara”, comentei. O
velho dono do bar balançou a cabeça concordando. “Eu não
vou mais para Barretos”, Rafael olhava para as suas rosas
largadas em cima do balcão. E o nosso grande plano? E a grande
final do rodeio? Ano que vem. “Ano que vem eu vou”.
Compreendi que a palavra “ano que vem” era muito preciosa
para Rafael, que colecionava razões para continuar lutando,
para continuar vivendo. Ano que vem.
O velho dono do bar foi embora e foi substituído no balcão
pelo seu jovem filho. Eu não sabia o que dizer para Rafael,
porque normalmente era ele quem falava. Olhei para o jovem
cabeludo atrás do balcão e tentei quebrar o silêncio: “Bonita
essa frase do Guevara”. O jovem sorriu e disse que aquela frase
não era do Guevara. Era de outra pessoa que ele não se
recordava o nome. “Alguém teve a brilhante ideia de colocar
uma frase bonita junto com o rosto do Guevara, só pra poder
vender essa coisa pendurada aí”, ele explicou. Quem será que
havia escrito aquela frase bonita? Olhei para as rosas de Rafael
e me dei conta de quão anônimas elas eram. Ninguém se importa
com as suas rosas. Elas poderiam morrer, porque mesmo assim
a primavera nunca deixaria de chegar. Saí do bar, afirmando:
“Ainda assim é uma frase bonita”.
Anos depois, ainda não sei se aquela frase era realmente
de Guevara. Muitos acreditam que sim. Mas se essa frase tivesse
sido dita por um camponês sem nome? Perderia a sua beleza?
Quem se importa com as anônimas rosas de Rafael?
Caminhamos juntos até a plataforma. Eu assistiria à grande final
do rodeio de Barretos. Iria sozinho, não para vender rosas, mas
apenas porque eu não precisava esperar pelo ano que vem.
Rafael me deu o abraço mais apertado que seu braço enfaixado
permitiu. O ônibus partiu. E foi assim que eu o vi pela última
vez, caminhando sozinho pela plataforma vazia, abraçado às
suas rosas, que nunca morriam.
(...)

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