sexta-feira, 24 de abril de 2009

1º Passo


(...)
No horizonte, o monte Kukenán se deitava sobre um fino
manto de nuvens. Uma gigantesca cachoeira despencava de
seu cume, formando um delicado fio de lágrima em sua dura
face de pedra. O rio Tek serpenteava, carregando fragmentos
de rocha. Com paciência, o rio moveria a montanha para o mar.
Corri para o rio que carregava o espírito das montanhas.
Banhei-me em um ritual de purificação. Não era apenas o corpo
que eu desejava lavar, mas principalmente a alma. E talvez fosse
este o significado daquele batismo selvagem: o ingresso para
uma nova vida, livre da roupa costurada com a agulha do
preconceito e a linha da falsa moral.
Retornando ao acampamento, meus companheiros já
estavam reunidos para o jantar. Ao longo da primitiva ceia,
deixávamos pequenas migalhas de quem éramos sobre a
“mesa”. Descobri que confidências feitas em lugares distantes
da civilização se revelam muito mais sinceras; talvez porque
na natureza selvagem esquecemos as mentiras que inventamos
para viver em sociedade.
De qualquer forma, não partilharei das confidências de
meus colegas aqui, pois entendo que sob tais circunstâncias
devo tratá-las mais como confissões, que não dizem respeito
ao resto do mundo. Porém, antes de me silenciar, devo contar
apenas um fato, por ser relevante àqueles dias. O aventureiro
finlandês revelou à mesa que “cagar dentro da água pura dos
rios lhe proporcionava uma sensação mística”. Quase cuspi a
água do rio que acabara de beber. A partir daquele momento,
sempre que ia pegar água ou me banhar, eu tomava o cuidado
de nunca permitir que ele ficasse próximo a mim dentro da água.
Durante a noite, fui atraído por uma luz que tentava varrer
um pedaço de escuridão. O guia e o carregador pareciam
agitados, iluminando um ponto no chão. O facho da velha
lanterna incidia em um buraco, atraindo gordas formigas que
eram rapidamente apanhadas pelas mãos da dupla. “Assim que
se faz para que a formiga não pique a sua língua”, o guia
explicava como saboreá-las. O que importava era o abdômen
polpudo, o resto era jogado fora.
As formigas mutiladas se acumulavam no chão, arrastando-se
desorientadas. Imaginei a sociedade humana como um
imenso formigueiro em que todos os indivíduos são atraídos
pela falsa luz do dinheiro, apenas para serem sugados e
descartados por ele mais tarde. Como uma formiga desse insano
formigueiro, gostaria de pelo menos ter a oportunidade de picar
a língua da sociedade, antes de ser devorado por ela.
Talvez fosse apenas a minha vontade de fugir do mundo
que me levava a tais pensamentos. Enterrei-me na barraca com
as minhas ideias tristes, tentando ter sonhos melhores. Sonhos
que não vieram.
(...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário