sexta-feira, 24 de abril de 2009

14º Passo


(...)
Cada galho balançando ao vento parecia me observar. Cada
ruído parecia sussurrar algo em uma língua estranha. Mas o
que mais me incomodava era saber que toda aquela floresta
que me cercava havia nascido apenas para morrer. Cada tronco
que subia em direção ao céu acabaria derrubado, cortado,
retalhado e triturado até virar celulose e finalmente papel. O
mesmo papel que agora conta a história de uma floresta
condenada desde o primeiro dia de vida. Será que esse também
é o destino dos seres humanos? Nascer apenas para morrer?
Não fazia sentido, mas aquela floresta havia nascido para isso.
Depois de alguns quilômetros floresta adentro, avistei a
clareira. Senti um arrepio ao perceber que as folhas em que eu
pisara da última vez haviam sumido. Uma larga faixa de terra
nua levava ao poço. Quem teria passado por ali e varrido as
folhas mortas do caminho? Ouvi o lamento do poço, aquele
estranho zumbido me chamando. “Absurdo”, tentei me
encorajar. Não havia nada a temer. Segui em frente até parar
na fronteira entre a floresta e a clareira. Lá estava o poço e
suas centenas de almas abandonadas. Lentamente, dei as costas
ao antigo cemitério e abri meus braços em cruz, em direção à
floresta. Fechei os olhos.
Senti uma estranha presença atrás de mim. Um calafrio
correu pela espinha, paralisando meu corpo. Os lamentos do
fosso pareciam se intensificar. Escutei vozes incompreensíveis,
sussurros e choros distantes. Minhas pálpebras se fechavam
com mais força. Apesar dos olhos cerrados, eu conseguia “ver”
tudo o que se passava às minhas costas. Estranhos vultos se
agarravam às paredes do poço, arrastando-se para fora dele.
Criaturas sem olhos nem pele saíam da escuridão, cambaleando
atrás de mim. Meus músculos se contraíam. Suor frio escorria
pelos poros da pele. As garras se aproximavam, lançando unhas
apodrecidas sobre minhas costas, até que fui agarrado
violentamente pelo medo. Senti como se os músculos
descolassem dos ossos, como se alguém quisesse roubar a
minha pele. Fui arrastado para dentro do poço, onde caí por
um longo tempo até chegar ao fundo. Gritei. E foi assim que o
medo passou por mim. Silêncio. Abri os olhos. Na minha frente,
a floresta. Atrás, o poço. E só.
O medo de ser esquecido, de morrer e não deixar saudades
era grande demais. Era esse o meu medo: viver uma vida inteira
apenas para ser esquecido depois, para sempre. Não, não se
pode morrer assim. Não se pode deixar que um trator passe por
cima de nossas existências e apague tudo como se nunca
tivéssemos vivido. Não, eu me recusava a isso. Eu me recusava
a viver em vão.
(...)

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